Em busca de trabalho digno e sustentável
O desejo de mulheres do Manchester em construir uma cooperativa de reciclagem como alternativa de emprego e renda

Laura Santos, estudante 3º ano de jornalismo – 02/05/2024
A construção de uma cooperativa de reciclagem como alternativa de emprego e renda é um dos sonhos de um grupo de mulheres que vivem no assentamento do Manchester, região periférica de Bauru. A pauta foi levantada pela líder comunitária local, Tatiane Borges, durante a roda de conversa promovida pela equipe do projeto Gênero em Pauta Unesp. Segundo Tatiane, alternativas como ecoponto e apoio na coleta de materiais recicláveis são soluções que as moradoras buscam para um crescimento econômico no bairro.
Segundo dados da Organização das Cooperativas Brasileiras, no país, existem mais de 20 mil cooperados e a participação feminina representa 40% deste montante. O cooperativismo é, em linhas gerais, a união e organização de pessoas com um interesse em comum, que usam seu trabalho para colaborar entre si, na maioria dos casos, para gerar renda. “É uma organização de trabalho em que todas as pessoas trabalham de forma horizontal. Então, em todas as decisões desse processo você tem trabalho coletivo de um todo coletivizado”, explica Emilia Wanda Rutkowski, professora associada da faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Unicamp e membra do ORIS (Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária).
No assentamento do Manchester, uma das práticas recorrentes entre as moradoras, e que provém renda para a maioria das famílias, é a coleta de materiais recicláveis. Tatiane, que já trabalha com reciclagem há 8 anos, revela a rotina das catadoras e catadores do bairro. “Nossa coleta ocorre durante a semana toda, final de semana e feriado. A gente não para. Saímos às 3h ou às 4h da manhã. Não tem horários fixos. A maior dificuldade é não poder ter um trabalho digno, não temos parceria com nada”, diz.
Atualmente, as moradoras do bairro trabalham de forma precarizada. Não possuem apoio da prefeitura, não tem horários definidos, pontos de coleta corretos nem uma renda garantida.
O sistema de cooperativa é capaz de promover grande impacto na vida dos moradores de territórios de vulnerabilidade social, principalmente no cotidiano de mulheres, já que pode representar uma forma de trabalho estável e seguro para elas e suas famílias.
A formação de um coletivo reciclável vai além da união e organização de catadores. Depende também de projetos e políticas públicas que articulem os processos e desafios iniciais de construção de uma cooperativa. “Uma das formas se inicia com a prefeitura contratando catadores como educadores ambientais, para que possam ir aos condomínios, residências e em grandes geradores, como supermercados e indústrias, para conversar e explicar como manuseiam o material a ser descartado. Não há melhor educador ambiental que o próprio catador”, comenta Emilia.
No Brasil, a participação feminina no cooperativismo é ativa e está em crescimento. Um exemplo são as mulheres do GAU (Grupo de Agricultura Urbana), formado por imigrantes nordestinas que trabalham como agricultoras em São Miguel Paulista.
“Elas estão há sete anos juntas. É um processo que começou em um terreno que era um grande lixão. Elas limparam, a prefeitura as ajudou a retirar o lixo. Teve uma pessoa que foi ajudá-las a fazer com que aquela terra se transformasse em terra produtiva. Hoje o lugar é maravilhoso e elas já conseguem tirar uma renda”, conta Emília Rutkowski.
Cooperativismo local
Fundada em 2013, a Coopeco (Cooperativa Ecologicamente Correta de Materiais Recicláveis de Bauru) surgiu em resposta a uma demanda de moradores do bairro Ferradura Mirim. Hoje, com 36 cooperados, a cooperativa atua como ponto de descarte de materiais recicláveis, na coleta seletiva, ecopontos e trabalhos em condomínios residenciais.
Giselle Moreti, uma das fundadoras da Coopeco, descreve como surgiu a organização: “No começo, éramos eu e doze catadores que traziam o material. A gente separava por baia e depois vendia. Daí eu comecei a falar pra eles para vendermos juntos, que, com o volume, teríamos preço. Com isso, muitos catadores da cidade começaram a nos procurar para fazer esse trabalho, foi quando a gente se aglomerou, chamando atenção da prefeitura”.
As dificuldades de criar uma cooperativa incluem desde a necessidade de apoio para a estruturação inicial do projeto até a organização desses trabalhadores em um sistema que funcione na prática.
“Imagine essas pessoas que não estão acostumadas a isso. Elas têm um ritmo de trabalho diferente. Elas têm que começar a entender que esse ritmo tem que ser mantido, e nem por isso as pessoas vão ter que ganhar mais ou menos por conta disso. Depende de uma solidariedade – não é que essas pessoas não tenham, mas [depende de] um outro nível de relação de solidariedade”, exemplifica Emília.
Há também o papel fundamental da universidade e ONGs de dar suporte a esses trabalhadores que se encontram em situação de vulnerabilidade: apoiar e fazer com que os órgãos públicos se mobilizem para que ações sustentáveis, que gerem renda e trabalho digno para a comunidade, ocorram.
Um exemplo disso é a ITCP (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares) da Unicamp, que tem como objetivo acompanhar os grupos que querem se tornar cooperativa. No território destes coletivos, o projeto promove grupos de estudo, oficinas, e levantamento de dados, problemas e perspectivas, com o objetivo de construir o melhor caminho para a incubação desses grupos.